sábado, 13 de fevereiro de 2010

Moça, me dá uma rosa!



Era um triste contraste aquele, distinguido
Numa encosta escarpada e num vale florido:
Lá no morro, o barraco ao vento se inclinava;
No vale, um palacete, entanto, se enfeitava
De rosas, de jasmins, de pássaros joviais
Que adejavam, cantando, os lindos roseirais...

O barraco de zinco e o bangalô de pedra
- Onde a miséria mora e onde a fartura medra –
Eram naquela parte estreita da paisagem
Antônimos cruéis que, na louca voragem
Da vida singular, excêntrica ou profana,
Confundem na incerteza a indagação humana...

Qual a causa que leva um dia a Onipotência
A dar rumo diverso a cada uma existência,
Que às vezes se coloca em destaque chocante,
Como revolta muda ou protesto gritante?

Por que, sem ter noção ainda do pecado,
Há de nascer alguém surdo, cego, aleijado?
Por que será, meu Deus, que, pobre e sofredor,
Se arrasta, muita vez, quem só pratica o amor?

E o eco repercute, ao longe, os brados meus:
- Para ser manifesta a grandeza de Deus!

No casebre de zinco, um garoto pretinho
Vivia a contemplar das palhas do seu ninho,
Lá embaixo, ao sopé do morro proletário,
O formoso jardim do seu sonho diário
Que, à sua alma infantil de ingênuo espectador,
Representava o céu numa festa de flor.

Numa certa manhã de ensolarado brilho,
O garoto desceu do morro, maltrapilho,
E ficou enlevado, a contemplar, assim,
O viço tropical de tão belo jardim...

Como era tudo ali cromático e festivo!

Porém aquela flor, de rubro muito vivo,
Exercia sobre ele uma fascinação,
Que a mundos irreais sua imaginação
Levava a percorrer em vôos de magia,
Nas asas alvi-azuis de sua fantasia...

E, nesse doce enlevo, angélico semblante
Ele descortinou, olhando-o fascinante,
No veludo-cristal da corola formosa
Daquela rubra flor, daquela linda rosa...
E, a seu ávido olhar, a aparição amada
- Anjo, deusa ou visão de algum conto de fada
Saiu da inspiração de um sonho rosicler,
Para se revelar simplesmente mulher:
Jovem, de olhos azuis e loira cabeleira
- Nova Branca-de-Neve ou Gata Borralheira...
E por isso ensaiou um pedido inocente:
- Moça, me dá uma rosa, uma rosa somente!...

Mas a jovem falou com desprezo invulgar:
- Vá embora daí! Não torne a importunar!

O garoto ficou ainda um pouco parado;
Depois, triste, baixou os olhos, humilhado,
E saiu arrastando os pés, devagarinho,
Pela esteira sem luz do seu pobre caminho.
Como lhe pareceu tão mau o injusto o mundo;
Sufocou na garganta um soluço profundo,
Numa interrogação que ficou sem resposta:
- Por que, por que de mim essa moça não gosta?
Por que ao desgraçado aqui se nega tudo,
Até mesmo uma rosa? ... uma rosa?!...

Contudo
Tão pouco ele queria! E esse pouco, entretanto,
Lhe negavam sem dó, para aumentar-lhe o pranto...

O mundo é sempre assim: esconde a mão ao pobre,
Para fartar na orgia os caprichos do nobre!

No outro dia, bem cedo, às grades do jardim,
O garoto de novo estava a olhá-lo, assim:
Na ânsia de retratar na alma sentimental
O quadro multicor daquele roseiral,
Para poder sentir, dentro da própria vida,
O sonho irrealizado, a glória inatingida...

Quando a jovem surgiu de novo, entre os canteiros,
Seus olhos outra vez brilharam prazenteiros,
E cheio de esperança, à jovem tão formosa,
Com ternura pediu: - Moça, me dá uma rosa!

Agastada, porém, com o pedido insistente,
A jovem lhe negou o esperado presente:
- Vá embora daí, se não eu chamo um guarda!...

Temendo a intervenção enérgica da farda,
O pretinho correu em direção ao morro,
Lançando ao ar parado um grito de socorro,
Que não achou, naquela esplêndida manhã,
Qualquer repercussão na piedade cristã...

O tempo começou a mudar de repente;
Fatídico soprava o vento fortemente.
Tremendo, o órfão entrou no barraco de zinco;
Viu as horas passar: duas, três, quatro, cinco...
E ele, que lá vivia apenas por favor,
Não tinha pai nem mãe, ele não tinha amor...

Deitou-se; adormeceu, sonhou com o paraíso
- Edênico jardim – onde ele viu, iriso,
O sol resplandecer numa rosa vermelha
- Sua rosa vermelha! – e ante ela se ajoelha...

Nisto, estranho rumor, como um forte trovão,
Fê-lo um anjo notar, levando-o pela mão,
Para, de um lindo quadro, erguer o tênue véu:
- Ele entrava no céu... ele entrava no céu!...

Mas, na manhã seguinte, ouviu-se o comentário:
Durante o temporal, no morro proletário,
Houve um desabamento; e o pretinho – coitado! –
Ingênuo sonhador – morrera soterrado...

Sob um sol indeciso, à hora costumeira,
Regava o seu jardim a jovem jardineira.
Por um gesto instintivo, ergueu o olhar às grades:
- Vibrava no éter frio as ondas das saudades –
Não viu, como esperava, o rosto do pretinho:
- Não voltaria mais? Seguira outro caminho?!...

E, nessa confusão de um vago sentimento,
Sentiu no coração fundo arrependimento
De não ter satisfeito o anseio do menino...
Foi quando alguém lhe trouxe a notícia:
- O destino
Tinha roubado a vida ao pequenino triste!...

Ela não pôde mais; ela não mais resiste,
Prostrando-se a chorar...

E, logo, decidida,
Tirou de seu jardim, não só a flor querida,
Mas todas; e as levou com carinho e cuidado
Pra com elas cobrir o corpo inanimado
Do pretinho infeliz...

E ele, que não tivera
Na existência um lençol, ganhou da primavera
Um manto todo em flor, a envolver-lhe, afinal,
Com carinho e perfume, o corpo angelical...
***
No contraste da vida infausta ou abastada,
Nós somos muita vez como o órfão e a galã,
Negando do consolo uma rosa encarnada,
Para as faltas de amor chorarmos amanhã...

E ao peso acusador de líricas saudades,
Vamos levar depois às mortas ilusões
Todo o rubro rosal das oportunidades,
Que deixamos passar sem úteis decisões...
Que possamos abrir as grades do egoísmo
E oferecer a quem suplica afeto e paz
A rubra flor da fé do eterno cristianismo,
Que na alma, a rescender, não murcha nunca mais!




 

Gesto Heróico





A sineta bateu, convocando o colégio.
A sala estava cheia... O diretor – egrégio
E antigo mestre – entrou.
Ninguém o reparara;
Falavam de uma falta enorme: alguém roubara
Da bolsa de um aluno a clássica merenda.
E o castigo era grande: - uma surra tremenda,
Vinte varadas!... Qual seria o desgraçado
Que iria suportar o braço desalmado
Do velho diretor, aplicando o castigo?
Talvez fosse um colega ou um bedel antigo...

Havia tanta gente ali, humilde e pobre...
E a aparência, afinal, muita miséria encobre...
Enorme burburinho enchia toda a sala...
- Silêncio! – brada o mestre – Aqui ninguém mais fala.
Houve uma falta grave – um roubo. E é oportuno
Que eu fale claramente: esse tão mau aluno,
Que cometeu tal erro, há de pagar bem caro.
Bem caro, estão ouvindo?
E o que mais eu reparo
É ver que foi debalde o esforço de ensinar-vos
O caminho do bem, da retidão... Mostrar-vos
Que se deve vencer por força de vontade;
Que acima de qualquer febril necessidade
Se coloca o dever!... E eu vejo que as virtudes
Não orientam mais as vossas atitudes!...

O murmúrio aumentou; todos se entreolharam;
E numa singular atitude calaram,
Como para mostrar a força que os fazia
Solidários na dor, na culpa ou rebeldia...

Mas, num canto da sala, humilde, magro e pálido,
Levantou-se um menino. O seu aspecto esquálido
Bem claro demonstrava a miséria sem nome
Que lhe vidrava o olhar nas convulsões da fome.
E, num gesto de quem se vota a um sacrifício
- Como um santo a sorrir no instante do suplício –
Confessa: - Diretor, tinha uma fome cega
E por isso roubei o lanche do colega!
Fiz mal; ninguém tem culpa; é verdade o que digo!
Estou pronto, portanto, a sofrer o castigo...

E seguiu cabisbaixo em direção do estrado
Em que todo faltoso era sentenciado.

E o velho diretor lê o código interno:
“O aluno que roubar um lanche ou um caderno,
Nas costas, levará vinte fortes varadas.”
E, isso dizendo, despe as costas maceradas
Do pequeno réu...

Vibra o primeiro açoite...
Um gemido se ouviu como um grito na noite...
Outra pancada estala... As pernas do garoto
Começavam a tremer dentro do calção roto...
E o seu olhar voltado ao azul da imensidade
Parecia implorar um pouco de piedade...

E uma onda de horror, de revolta e protesto,
Brilhava em cada olhar, vibrava em cada gesto...
Nisto, um jovem robusto e com porte de rico
Ergueu-se resoluto e disse: - Eu vos suplico
Que permitais, senhor, que eu sofra o seu castigo!...
A merenda era minha e ele foi sempre amigo!...
Mas, se é lei, que se cumpra a lei!...
E, sobranceiro,
Seguiu para o lugar do pobre companheiro;
Tirou o paletó, curvou-se resignado
E deixou que o castigo em si fosse aplicado.
Quando soturnamente a última vergastada
Estalou, com um ai, na costa ensangüentada
Do inesperado herói, o pequeno poupado,
Soluçando, abraçou seu protetor amado;
Beijou-o humildemente e disse-lhe baixinho,
Num gesto fraternal e cheio de carinho:

- Foste o meu salvador, meu nobre e bom amigo,
Pois sofreste por mim as dores do castigo
Que mereci, bem sei, mas não o agüentaria,
Dada a minha profunda e crítica anemia...
Fui culpado de tudo e nunca o desejara...
Suplico-te: perdoa a minha ação ignara!...
Eu saberei ser grato ao bem que me fizeste,
Implorando ao Senhor a proteção celeste
Sobre ti e o teu lar, na certeza que o mundo
Será em tua vida um roseiral fecundo,
Pois onde eu me encontrar, exaltarei, estóico,
O sublime esplendor desse teu gesto heróico!...

***

Nós somos neste mundo uns míseros culpados:
Criminosos, infiéis e cheios de pecados...
Roubamos nosso irmão, o próximo enganamos,
Perseguimos o justo, o trânsfuga exaltamos,
E tudo o que é de mal fazemos sem piedade,
Para satisfazer nossa perversidade...

E quando a mão de Deus aplica, certo dia,
A justa punição à nossa rebeldia,
Jesus volta de novo ao cimo do Calvário
Para, por seu amor divino, extraordinário,
Receber em seu corpo os látegos e os cravos,
Destinados a nós, miseráveis escravos
Do pecado e do mal!

Por isso, ó Mestre amigo,
Que sofreste, perdoando, a dor do meu castigo,
Recebe o meu afeto humilde, mas sincero,
E a minha gratidão profunda, pois Te quero
Exaltar em meu ser e em toda a minha vida,
Nessa consagração de uma alma agradecida,
Que vê, no teu amor e em teu suplício estóico,
A glorificação de um sacrifício heróico!
*Este poema já havia sido publicado por aqui, mas com uma formatação totalmente equivocada. Desta vez pude transcrevê-lo corretamente, diretamente do livro onde se encontra.

LÁGRIMAS EM VEZ DE SANGUE

LÁGRIMAS EM VEZ DE SANGUE

(O ambulante judeu, Baruch Charmam, chorou por não poder doar sangue a Israel?).

Noite cinzenta. A chuva, enervante e miúda,
Punha n'alma da terra, esfolhada e desnuda,
A imensa gelidez de uma desilusão,
Dessas que a gente sente e não sabe a razão...

De pé, sob o beiral de uma casa de pasto,
Achava-se um judeu, velho, cansado e gasto,
Que passara o seu dia em grande atividade,
Gritando o seu pregão nas ruas da cidade...
E ali, a contemplar o trânsito noturno.
Lembrou-se do seu povo e ficou taciturno...
Tanto tempo sem pátria!...

E agora que fundara
O Estado de Israel, a guerra começara
Terrível, desigual, como a querer de novo,
Na mais torpe injustiça - exterminar seu povo.

Nisto, passa um garoto a correr e a gritar:
- Os judeus do Brasil acabam de criar
O seu Banco de Sangue!?

E ele que, intimamente,
Vivia o drama cruel de tôda a sua gente,
Perseguida e humilhada em todos os lugares,
Teve, nesse momento, a antevisão dos lares
Livres, em terra livre, onde a família em prece,
A proteção de DEUS outra vez agradece...

Velho, cansado e triste o ambulante semita,
Na história milenar de seu povo medita:

- A saída do Egito, a passagem triunfal.
Do Mar Vermelho, e a rocha aberta em manancial
De água pura, e o maná que chovia do céu,
E a nuvem que era luz e de dia era véu,
E o profeta Moisés, e o Decálogo, e as glórias
E os juízes, e o reino, e as soberbas vitórias...
Mas...também toda a luta e peregrinação
Até à derrocada, à morte e à escravidão,
Na longa e singular caminhada da vida,
Na eterna aspiração da Terra Prometida!

- Tão velho!.... Mesmo assim, com quase setenta anos,
corpo cheio de dor, alma cheia de enganos,
Sentiu nascer no peito o desejo veemente
E a vontade febril de ajudar sua gente
A restaurar, com toda a sua ostentação,
O reino de Saul, David e Salomão.

Que pena ter perdido a sua juventude!
Pois poderia, então ter a grande virtude
De a pátria defender, filiado à Haganá,
em nome da justiça e em nome de Jeová.

O dia amanhaceu, radiante de esperança;
E o ambulante judeu, que a própria vida cansa,
Chorando de seu povo a desdita cruel,
Seguiu para doar seu sangue a Israel...

Chegara a sua vez. Vibrante de emoção,
Acercou-se, feliz, da mesa de inscrição;
A enfermeira apanhou a ficha-identidade:
- "Seu nome, faz favor?"-
-Baruch Charmam
- Idade? - Sessenta e cinco! -

E, ali, recordou quanto andara
Para encontrar a pátria, a pátria que sonhara,
Livre, forte e feliz....

Mas ele escuta, exangüe:

- Não podemos, senhor, aceitar o seu sange-
- Senhorita (ele diz a chorar e a tremer),
Não tenho nada mais que possa oferecer
Ao meu povo! Estou velho e vivo solítário!
De que me serve a vida ao fim do itinerário?!...
Aceite por favor, aceite por piedade
Meu sangue para o bem da heróica mocidade
Que, em luta desigual, se bate e se agiganta
Por ver livre raiar o sol na Terra Santa!
Aceite-o por favor! para isto é que ainda vivo!...
E prostrou-se a chorar, num pranto convulsivo.

Chora Baruch Chamam! Corra livre o teu pranto!
Teu sangue não irá, tuas lágrimas, no entanto,
Com outras subirão ao trono do Senhor
P'ra descerem, depois, em lenitivo à dor
Dos que lutam com fé em prol da Liberdade,
Por um mundo melhor, firmado na Verdade,
Onde presida o Amor, onde impere o Respeito
Ao livre pensamento e à força do Direito!
Chora Baruch Chamam! que as lágrimas caídas
Sirvam para curar as profundas feridas
Dos que lutam por ver uma nova Betel,
Na sólida união do Estado de Israel!

CONFISSÃO

CONFISSÃO
*
Senhor, pelos meus males torturado,
Venho prostrar-me, súplice, a teus pés:
Na luta entre as virtudes e o pecado
Eu sofri o mais trágico revés.

O Bem do alto da cruz me convidava
Para cumprir a esplêndida missão
De levar o consolo a quem chorava
E, a quem se arrependia, o teu perdão.

Mas, no gozo da vida adulterada,
Com mil promessas me tentava o Mal;
E foi tal a atração a mim causada
Que fui vencido em luta desigual...

De então, eu tenho sido tão perverso,
Tão desobediente a Ti, Senhor,
Que, custo a crer, houvesse no universo
Alguém mais desgraçado e pecador...

Os males que causei a tanta gente
E a dor que a tantas almas provoquei,
Não serão compensadas, igualmente,
Por tudo que, decerto, sofrerei...

Senhor, eu me confesso e te suplico
O perdão para os males que já fiz:
Que só de tua graça eu seja rico,
Que só por teu amor seja eu feliz!

ORAÇÃO


*
Senhor! Não olhes para as minhas faltas
Nem pra maldade do meu coração,
Mas dá-me, dessa altura em que te exaltas,
O teu doce perdão!

Liberta-me, Senhor, desses venenos
Que os bons costumes corrompendo vão...
E me concede uma migalha, ao menos,
De tua perfeição!

E se algum dia algum desejo infame
Quiser lançar-me para a perdição,
Castiga-me, Senhor, pra que eu te chame
No incenso da oração!


Último Combate

Último Combate

- “O combate será a uma hora da tarde!”
Foi a voz que se ouviu, como horrível alarde,
Ao longo da trincheira... E o dia era tão lindo!...

- Como é belo morrer quando se vai sorrindo
Para a luta cruel, numa manhã como esta,
Toda cheia de luz, toda cheia de festa!...

(Era um belo rapaz que me falava.)

- Escuta,
(Perguntei-lhe) não tens receio desta luta?
Ele não respondeu, porém, sentidamente,
Cantou ao violão uma canção pungente...
E me disse, depois, com olhos rasos dágua:
- Não! Eu não temo a morte! O que me causa mágoa
É me sentir tão longe, é me ver tão sozinho
E não voltar jamais ao calor do meu ninho,
Onde, entre beijos bons de minha doce esposa,
Meu filhinho me espera, e, esperando, repousa...
Quando eu vim para cá, beijando-me, ele disse
Uma frase qualquer, uma linda tolice...
Mas, depois, enxugando uma lagrimazinha,
Deu-me um livro, dizendo: “É uma lembrança minha,
Papai! Quando o senhor estiver em perigo,
Leia este livro, ouviu?! Jesus é nosso amigo!
E o senhor não será mais sozinho nem triste,
Porquanto onde Ele está tudo o que é bom existe!”
E ele continuou a cantar. Que tristeza
Começava a pesar em toda a natureza!...
E eu fiquei a invejar sua alma comovida,
Porque era triste só no deserto da vida...

A chuva começara a cair lenta e fina...
Como interrogação fatídica, a colina
Mostrou-se ao nosso olhar, cheio de nostalgia,
Perversamente verde e tristemente fria.
... ... ... ... ... ... ... ...

A luta começou terrível. A metralha
Ia levando a morte ao campo de batalha.
Gritos, imprecações e vozes de comando
Juntavam-se no espaço escuro e formidando...

Pungente agonizar de uma tarde cinzenta,
Tarde que quis ser linda e que foi tão cruenta!...

Quando a noite caiu, negra e fria, tornou-se
Mais bárbaro o combate. Era como se fosse
Rude destruição de uma cidade antiga
Pelo ódio figadal da vingança inimiga.

Quando a manhã raiou, o combate findara,
Mas era horrível ver tudo o que se passara...
Espraiei meu olhar pelo campo assolado,
E o pranto me feriu o coração magoado:
É que aquele soldado, inda tão moço e alheio
A essas contradições do Destino, encontrei-o,
Ensangüentado, assim, de bruços na trincheira,
Prendendo ao coração, numa ânsia derradeira,
Da esposa e do filhinho, um retrato cinzento,
Colado à capa azul de um Novo Testamento.





O ANO QUE CHEGA

O ANO QUE CHEGA

Mário Barreto França

Mais um ano que chega e outro que passa,
Num misto de ventura e de saudade;
Suplica-se do céu divina graça
E o gozo de servir ao peito invade...

De joelhos em terra, a humanidade espera
Do derradeiro instante do ANO VELHO,
Há sempre confissões, na mais sincera
Vontade de viver para o evangelho...

E quando, ao som de um cântico sagrado,
Saúda-se o raia de um ANO NOVO,
Sobe a Deus, penitente do pecado
E em místico louvor, a alma do povo

Essa ingênua alegria das crianças
Enfeita o coração da gente pobre,
Que fica colorido de esperanças
E de bondade se ilumina e cobre.

ANO VELHO que vais, boa viagem!
ANO NOVO que chegas,sê bem-vindo,
Para encher a alma humana de coragem,
Para o mundo tornar mais justo e lindo!